sexta-feira, 16 de março de 2018

Última lembrança

Ela aparentava ser a fragilidade em pessoa. Emendou a retirada da vesícula e uma tuberculose. Estava em fase final de recuperação e seu rosto e seu corpo pareciam mais frágeis que nunca.
A voz recitava o cansaço evidenciado pelas olheiras após uma longa viagem de 8 horas. Pensou que encontraria abrigo. Encontrou uma casa castigada pela tempestade que ainda ventava no quintal.
O seu corpo gelado esperava encontrar o calor do abraço que sempre a aquecera. Encontrou no abraço que tanto esperava, o desprezo e um coração mais gelado que seus pés.
Mesmo com a tempestade que ventava no quintal, mesmo com a chuva que caía na casa bagunçada e sem telhado e mesmo com a nevasca que encontrou no lugar do coração quente, seu coração ainda esperava encontrar algo. Algo que valesse a pena as apostas que fizera consigo mesma.
Encontrou um par de olhos verdes sem brilho algum. Sem uma mísera faísca. Sem um pingo de emoção. E que bradavam em silêncio: você perdeu a aposta.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Sonho antigo

Do sonho antigo passando até o presente-passado, colorindo com você cada retrato tirado dos olhos, que brincavam de serem lentes fotográficas.
Do sonho antigo sem sentido, preto e branco e com apenas você colorida, a certeza já pairava no ar: ainda seria amor. Quando o presente-passado chegou, senti na pele a tua pele que senti sem tocar no sonho antigo. Já era amor.
Já era amor, e o era desde sempre. Desde quando ainda não sabia teu nome, desde cada bom dia, desde cada "estava com saudade de falar com você", desde cada madrugada no computador, desde cada olhar trocado à distância.
E foi felicidade. Foi felicidade desde a promessa de que nos encontraríamos, desde o primeiro abraço, desde o primeiro entrelaçar de mãos, desde o primeiro beijo. Foi felicidade também em cada lágrima cheia de até logo, em cada despedida.
Foi luz no fim do túnel. Teu sorriso feito um farol que guia os navios em alto mar, me levou à praia chamada você. Onde estava tudo o que eu precisava. Onde eu descobri tudo o que eu ainda não precisava. Onde com paz no coração, descobri o amor em meio ao caos de luz e proteção causado pela tempestade chamada você. 
Há tempos caminhei de volta rumo ao mar, arrumei meu barquinho e zarpei. Talvez estivesse louco e sem saber como cuidar de tamanho amor. Talvez estivesse embriagado com tanta proteção e carinho. Talvez estivesse perdido, acontece às vezes.
E no meio de tanto tempo passado, digo o que ainda é: é amor. É felicidade. É gratidão. É luz, não no fim do túnel, mas à frente.
E em cada retrato tirado dos olhos, que brincavam de serem lentes fotográficas e que foram coloridos com a cor dos teus olhos gordinhos e do teu sorriso imperfeitamente perfeito, o sentimento inexplicavelmente bom surge.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Eu passo os dias e as noites sonhando com coisas impossíveis. Minha mente cria situações e diálogos dignos de um roteiro de novela mexicana de sucesso. Se eu fosse roteirista, já teria escrito umas dez novelas sobre como abruptamente a sutileza do destino me põe de volta na rua do meu grande amor.
São só sonhos. Às vezes eu deixo que eles existam, o meu coração sente paz com toda essa fábula que minha mente cria. Outras vezes eu me ouço gritar em silêncio: CHEGA! 
Por tantas vezes eu quis voltar no tempo, e pra ser sincero, ainda quero. 
Eu monto e remonto a minha vida como se ela fosse um quebra-cabeça de milhares de peças com o desenho indefinido, e quando eu penso chegar perto de montar tudo e saber o que está estampado, descubro que uma peça sempre está faltando.
Talvez me falte eu mesmo. Talvez eu tenha me perdido enquanto escrevia sobre como perder a cabeça pode te fazer perder a vida e continuar vivendo.

Dizem que a mente pode ser treinada. Eu então coloquei meu coração como treinador, mas me esquecera que a dona dele é aquela que nunca mais estará aqui. Ela só existe nas minhas lembranças, e na sensível esperança de que algum dia os roteiros de novela mexicana se tornem realidade.
Paralisado. Assim estava eu sentado na cadeira ao lado de minha cama. O olhar profundo e perdido se infiltrava na parede azul esbranquiçada.
A lembrança dela voltou com tudo, a última coisa de que me lembro, era de ver algumas coisas antigas. E aí pá! A coisa antiga era uma declaração dela dizendo o quanto me amava. Paralisei. As emoções esvaíram-se do meu corpo, os pensamentos correram pra longe, e a respiração calma me deixava sentir o coração bater na minha caixa torácica, em um movimento que talvez a intenção fosse que a lasca de algum osso o penetrasse e acabasse com isso.
O sono não virá de novo. 
Incrível como em poucos segundos todo o amor reprimido, a saudade exarcebada e a culpa entranhada em minhas veias, deram lugar a um vazio. Um vazio que eu sinto sempre que sinto a falta dela.

O sono não virá de novo, e o vazio do meu corpo se juntará ao vazio do quarto escuro.